03/01/2016

janeiro 03, 2016
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Pode a dualidade, o dúbio com partes que aparentemente correm em direções opostas, na verdade, seguirem para o mesmo caminho, serem ambas as direções, e as supostas diferenças, um complemento, partes de um todo uno e indissociável? Sim, é o que encontramos no livro Tânia (2015), de Pedro Du Bois.

Pedro Du Bois é poeta e contista de Passo Fundo, Rio Grande do Sul (hoje residindo em Balneário Camboriú, Santa Catarina), autor de vários livros e vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os objetos e as coisas (Scortecci Editora, SP).

Tânia é um Livro em homenagem a sua esposa, com 70 poemas, onde descreve, sente e nos apresenta não só a sua mulher, mas as mulheres – se levarmos em conta que Tânia, nos poemas, é ela mesma e muitas, a exemplo e representação de tantas outras, fortes, misteriosas, amorosas e onças, usando uma metáfora do próprio Du Bois.

Por se tratar de um livro dedicado à esposa, o leitor pode ficar receoso e imaginar que encontrará uma reunião de versos sentimentalistas, repletos de um endeusamento barato ou uma insípida ode a um objeto de admiração como não seria difícil encontrar por aí, mas não é isso o que encontramos numa leitura atenta.  Trata-se de um livro de poemas que tem como foco o amor e a incrível mulher amada, contudo, numa poesia muito bem confeccionada.

Obviamente, como se trata de um livro dedicado à amada, ele não foge das demonstrações de amor e admiração, dos elogios; porém isso ocorre sem sentimentalismo barato, sem fugir do estranhamento da poesia, das metáforas e alegorias bem estruturadas como podemos observar já no poema “Raio de sol” que nos oferece uma bela imagem: “Um dia o pássaro pousou sobre a amurada/ onde encostada raiava sóis” (p. 42). Ou ainda em “Uma” quando diz à amada, “Tens a desconformidade/ dos que enxergam/ o longe/ e o aproximam/ em paisagens.” (p. 52).

Mais à frente, “mulheres rendeiras/ trocam peças que a vida rege” (p. 71), do poema “Caminhar”, expõe uma paisagem como se vista num andar pelo sertão. E ainda no poema “Descobrir”, apresenta-nos uma imagem quase infantil das rochas na rua: “pedras encordoadas/ assentadas sobre passadiços/ episódios” (p. 74).

Os 70 poemas do livro estão divididos em quatro partes que são: (Re)conhecer, Virtuose, (Re)vista e (Di)visão. Cada um deles com suas características como descreve no prefácio de Tânia a professora, e homônima da homenageada, Tânia Mariza:


[Na primeira], [...], propicia ao leitor, na trajetória de significação dos escritos, possibilidades de imaginar que é a figura feminina a quem o poeta se dirige, passando a conhecer suas características, suas virtudes, seus trejeitos, e a reconhecê-la por sua essência. (p.8)

[Na segunda] o poeta exalta o ser em que se constitui a amada no dia a dia, nos momentos (in)certos, (im)previstos sem perder a altivez da conduta grandiosa. (p. 9)

[Na terceira] o poeta explica a admiração pela amada, ampliando a adjetivação que demonstra esse sentimento, transformando seu jeito de ser em um modo de ser. (p. 10)

[Na quarta parte] apresenta a intensidade de seu amor, de sua paixão, de seu respeito pela amada Tânia. Elogia, exalta, engrandece Tânia. (p. 11)

Enfim, é um bom resumo do que se pode encontrar nas partes que compõem o livro. Mais há para dizer, claro, sempre há mais o que dizer sobre poesia, e o prefácio da professora diz um pouco mais. Contudo, vou ater-me a certas características especificas dos poemas que me chamaram atenção, características da sua construção de sentido que auxiliam na apresentação de Tânia e da mulher. Vou falar sobre os dualismos empregados em grande parte desses poemas.

Começo pelo poema “Multiplicação” que mostra uma ampliação de lembranças:


Enquanto escutas
   a música se multiplica
     em lembranças:

   cada gesto
  cada fado
cada palavra repetida
em necessidade: tu estás
diante da tragédia
      e
      no entanto
      vive dizeres
      de dias melhores. (p. 62)

Seus versos finais dizem: [...] tu estás/ diante da tragédia/ e/ no entanto/ vive dizeres/ de dias melhores (grifo meu)¹. Não é difícil imaginar que há uma imediata divergência e impossibilidade em ver “dias melhores” quando estamos diante da “tragédia”, mas não para a poesia, ou para a força da mulher retratada por ela. Os termos antagônicos no poema tornam-se complementos de uma qualidade existente na figura central dele, que é Tânia.

No poema seguinte, “Hora”, que parece retratar ou apresentar certo instante, encontramos outros versos que se contrapõem:


Oferenda: tua luz
atravessa a praça
destacada
em sombras.

Estiveste diante da verdade
e ela se foi
na transitoriedade
da permanência. Imanente
ao sopro
revives
a hora da oferta.

Sobre desdizeres tua consciência
permanece. (p. 63)

Como se pode colocar como parceiros ou complementos algo que é transitório e permanente? Talvez possamos dizer que nesses versos a transitoriedade se refere à permanência, não sendo um complemento dela, mas uma constatação de que a permanência sofre uma transitoriedade, ou seja, nada é para sempre, imutável, nem mesmo o constante, o perdurável; portanto, tudo dura, inclusive o permanente, enquanto dura o tempo que lhe é permitido durar, que lhe cabe, como nos versos de Vinícius de Moraes sobre o amor, “que seja eterno enquanto dure”.

Mas ainda nesse poema há outro sinal de dualismo – esse mais submerso, menos evidente –, logo no complemento dos versos anteriores. Dizem eles: “Imanente/ ao sopro/ revives a hora da oferta”.

Imanente, em um de seus significados, quer dizer o mesmo que “permanente”, do verso anterior, que também pode ser descrito como “perdurável”, “constante”, como algo que não desaparece ou não se vai. Porém, “imanente” vem logo antes de “sopro” no poema, e não é difícil lembrar que “sopro” é muita coisa, mas não é perdurável, constante ou algo que jamais desaparece, portanto, não é “imanente”, pelo menos no sentido que estou propondo agora.

Então como é possível que algo imanente esteja ligado ao sopro, que o acompanhe? Bem, a personagem do poema pode ser vista como “imanente” no sentido de reviver a hora intimamente ligada ao “sopro”, que é instantâneo e único, momentâneo como as horas, cada hora, como a retratada no poema, e que Tânia revive esse momento sempre como um sopro. Além disso, “imanente” possui outros significados, como o de “inerente”, inseparável do sujeito, aquilo que tem motivação ou efeito interior.

Dentro deste último significado, o sopro se aproxima do “inerente”, uma vez que ele, o sopro, é algo inseparável do ser humano, e que vem, metaforicamente, de um efeito interior, no sopro das horas. Assim, como uma motivação interior, o reviver a hora da oferta vem tão fluida como um sopro, instantâneo e inerente ao ser.

Passando ao próximo, no poema “Querer” os dualismos se multiplicam:


Se por acaso fosses o desencontrado
amor da minha vida     mesmo assim
estarias presente em pensamento: valeria
a pena teres resistido ao chamado
e me terias preso em desacontecimento.

És a improbabilidade
da ausência
e o esforço
desconcerta o alvoroço
com que te quero. (p. 64)

São claros os vários dualismos no poema como em: “Se por acaso fosses o desencontrado/ amor da minha vida, mesmo assim/ estarias presente em pensamento”. Como estar presente se nunca foi encontrado? Possivelmente os versos nos dizem que mesmo que os dois nunca houvessem se unido, amada e amante, de alguma forma ela seria parte dele, como algo além do natural, como algo que planaria em seus pensamentos feito essência que lateja em alguma parte do amante².

Mais à frente, ainda no mesmo poema, o poeta diz que “valeria/ a pena teres resistido ao chamado/ e me terias preso em desacontecimento”. Nesse momento temos dois conflitos, o primeiro quando o poeta diz que “valeria a pena a amada ter resistido ao chamado”, sendo conflitante a ideia do amante de que seria bom a mulher não atender ao seu chamado, quando esperaríamos de um apaixonado que se regozijasse com o contrário, pois a resistência dela seria um prejuízo para ele; contudo dá-se o oposto.

Mas para isso há uma explicação romanticamente plausível. Resistindo, Tânia o teria não apenas como um companheiro ao lado, mas como parte sua, casado (outro sinônimo de preso), ligado a ela irrestritamente, mesmo que em desacontecimento, neologismo por si só antagônico (des-acontecimento – um acontecimento do não acontecido). Na recusa, o não acontecer torna-se também uma ação entre duas pessoas (ou não ação que não deixa de ser um evento entre duas partes, no caso).

Quanto ao “desacontecimento”, este é o segundo conflito dos versos a que me referi anteriormente. Ele se liga ao “desencontrado” do exemplo anterior, pois ambos são supostas ligações que ocorreriam mesmo que o encontro real entre amada e amante não acontecesse, são representações supositivas de uma ligação que ocorreria entre os amantes de forma etérea, sem o encontro real, cara a cara; ou seja, esses antagonismos declaram que em qualquer situação os amantes estariam unidos, mesmo que distantes fisicamente, numa união incorpórea.

E para corroborar essa ideia, a estrofe final do poema diz que Tânia é “a improbabilidade da ausência”, isto é, não seria impossível que ela não estivesse com ele, o amante, uma vez que “improvável” significa algo duvidoso, mas não plenamente certo, contudo, a distância completa seria improvável, segundo o verso.

No poema “Gestos”, surgem “Véspera” e “Antivéspera”, sucessivamente, e mais abaixo um antagonismo mais forte e poético, “e calas a voz/ ao despertar”. Vejamos no poema:


Véspera
Antevéspera
da manhã acordada
em chuvas: o vento varre o espaço
na voz. Ouves sobre
fatuidades
e calas a voz
ao despertar. O pássaro
move as asas em vida
na janela aberta ao sobreaviso.

O dia demonstra o todo
recomposto em gestos
                    derradeiros. (p. 65)

Citei antes os versos “e calas a voz/ ao despertar”. Despertar é acordar de um sono ou de um estado de letargia, o que normalmente está ligado a movimento, ação, enquanto calar a voz se refere ao contrário, a silenciar, a não movimento. Além disso, se o sujeito desperta é porque antes estava calado, imóvel, portanto, ao acordar não poderia calar-se, uma vez que, se estava dormindo, já estava calado (a não ser que fale dormindo – hipótese zombeteira que não se enquadra aqui).

Assim, espera-se que ao despertar é que se comece e se possa falar, metaforicamente ou supostamente. Porém, como explicação a esse dualismo, podemos ler nos versos que ao despertar (também física ou metaforicamente), quem sabe de um sonho, o sujeito parece, no silêncio, praticar uma forma de ação.

No poema “Medidas”, diante de tantas tarefas e obrigações, decisões e ações a serem tomadas, a mulher se transforma em muitas e exerce diversos atos, o que faz dela outra mulher, contudo, a mesma. Diz o poema:


Outro momento: família
outra hora: almoço
outro modo: o lado de dentro
outro motivo: casamento
marido
filha

outras maneiras conduzem o espaço
aos esgotamento da vontade
e no regresso
ao diariamente
  
       outra mulher: a mesma. (p. 75)

Nas palavras do poeta, sua mulher é “outra mulher: a mesma”. E nesse verso, duas coisas merecem observação: primeiro, a afirmação de que, apesar de ser outra, de se transformar em outras, multitarefa e ação, a mulher ainda é a mesma, é uma que se divide em muitas; segundo, o uso dos dois pontos (:). O uso desse sinal deixa claro que realmente se fala da mesma mulher, uma vez que os dois pontos abrem caminho para uma explicação, para uma constatação, para, acima de tudo, uma apresentação; portanto, a dita “outra mulher” é “a mesma”. Os dois pontos eliminam qualquer dúvida que poderia pairar sobre a identidade da mulher.

E no poema “Emoção” mais dualismos:


Tens a emoção compartilhada:

prazer e frustração

vontade sobreposta
ao desejo.

A instantaneidade do agir
no descansar: trazes a filha
que traz as filhas.

Comovida destaca o verbo
reflexo ao sentir a vontade aditada
                                  na espera. (p. 77)

O que dizer de “prazer” e “frustração” lado a lado, e de “agir” como consequência de “descansar”? Diz o poema, logo no início: “Tens a emoção compartilhada:/ prazer e frustração”. A oposição já começa, se quisermos ir mais fundo nos significados e gêneros das palavras, no fato de “prazer” ser substantivo masculino, e “frustração”, feminino. Mas isso na verdade não tem implicação direta no significado do poema ou na sua leitura (Não?).

Não precisamos pensar muito para percebermos que “prazer” e “frustração” não se coadunam entre si muito bem, ao contrário do que diz o primeiro verso (“Temos a emoção compartilhada”), pois como ter prazer se há frustração, e como se frustrar e está em prazer? A questão é que nesse momento, esses possíveis contrários se completam porque se constituem numa soma de sensações, de emoções. Os amantes estão unidos e compartilham suas emoções, prazer e frustração são faces do mesmo casal, estão neles, são parte de um viver que sofre e se delicia. Assim, prazer e frustração são traços de um casal que vive em comunhão total.

Ainda no mesmo poema, temos algo que parece mais impossível, “agir no descansar”. O ato de
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descasar costuma ser justamente deixar de agir, o contrário da ação, e não o ato de estar agindo enquanto se descansa. Porém, talvez aí esteja a afirmação dos versos, onde o descansar pode ser a ação praticada. Dessa forma, agir e descansar se explicariam no verso e se completariam.

Outra opção seria a de que “descansar” pode se referir a dar à luz, se levarmos em consideração que na continuação do verso vem: “trazes a filha/ que traz as filhas”. Em algumas regiões a palavra descasar é sinônimo de parir, como se a mãe, ao dar à luz, descansasse da gravidez, e nesse descansar, Tânia trouxe ao mundo a filha que, futuramente, trouxe outras filhas. Nesse sentido, “agir” no descasar seria dar à luz a filha, portanto, agir e descansar se complementariam, bem como dar à luz e descansar seriam a ação, desfazendo a suposta contradição.

Já no poema “Assim”, encontramos uma série de contrários que se configuram ou simbolizam enigmas.


Com a vara
encurtas a distância
que te separa: onça
e mulher

medes palavras: o que é dito
no calor da batalha e desdito no gelo
circunstancial da oposta hora.

A onça bebe água
no córrego de claros
enigmas: assim és. (p. 80)

Na primeira estrofe lemos “Com a vara/ encurtas a distância/ que te separa: onça/ e mulher”. Normalmente as varas são usadas para distanciar e não para aproximar. Por isso o dito popular avisa que não se deve cutucar onça com vara curta (lembrando que aqui, onça e mulher são uma só, portanto, já próximas).

Todavia, nos versos de Du Bois, a vara não afasta, encurta a distância, o que nos pode fazer entender que a vara é apenas uma pretexto anteaxiomático, digamos assim, para chamar atenção para o fato de que mulher e onça não se separam, que vivem perfeitamente unas em um mesmo corpo. A vara, se não apenas pretexto para nos atrair, leitores, ao caso interessante da mulher, não afasta, atrai, puxa para perto, como um gancho de pescador de tubarões, as duas fêmeas, mulher e onça.

Mais à frente temos as palavras medidas no “que é dito/ no calor da batalha e desdito no gelo/ circunstancial da oposta hora”. Portanto, encontramos os opostos “dito” e “desdito”, “calor” e “gelo” e “oposta hora” que se configura por si só em algo oposto. O que é dito com a cabeça quente e o que se desculpa quando se esfria a cabeça. Tudo enigmas como diz o verso final.

O poema “Regina”, que quer dizer rainha, assim como a mulher retratada no livro, é o nome do outro poema que concede extraordinariamente passos em descanso. Diz o poema:


Rainha em castelos
idealizados na areia circunscrita
ao mar na trajetória dos passos
contemplar da coroa
nas joias aguardadas
 em encaixes

tua beleza te desenvolve
em épocas coroadas
de felicidades. (p. 83)

Mais uma vez volta o verbo “descansar”, porém, agora em outra situação. É como se os passos não estivessem sendo dados realmente, mas apenas idealizados para o futuro. Contudo, o que quero enfatizar aqui não é necessariamente o significado, mas a beleza da metáfora antagônica, onde se imagina e se idealiza passos que são cometidos enquanto se está inerte, em descanso.

Outra questão que vale a pena ressaltar é que há outro antagonismo nessa passagem perante o descansar: o substantivo “trajetória”. Trajetória é o “caminho percorrido por um corpo ou partícula em movimento. Ação de percorrer esse trajeto”, como nos diz o dicionário Houaiss (2001, p. 2747). Se observarmos com atenção, veremos que tanto “percorrido” quanto “impelido” supõem ação que, por sua vez, conflitam com descanso.

Em outros poemas, o dualismo está na própria figura de Tânia. O poema “Descrição” (p. 88) diz que Tânia é estrangeira e nativa. Portanto, ao mesmo tempo em que tem uma estrangeira dentro de si, um espírito que vai além do natural, do originário, ela tem uma nativa por fora, “circunscrita à área”, medida pelo mundo externo – talvez como um pertencimento ao local onde vive ou nasceu.

Já no poema “Consideração” Tânia é descrita como partes de um todo que é ela mesma.


Na totalidade em que te divides
demonstras o azul e o verde
o céu e o mar
a água e o voo.

Despertas manhãs recorrentes
em vidas de onde retiras
o oxigênio
o gás
o carbono decalcado na folha
em branco: tu és toda
                e parte considerada. (p. 93)

Segundo a primeira estrofe, como parte de sua totalidade, Tânia é “o céu e o mar/ a água e o voo”, ou seja, tanto está para o alto (céu/voo) quanto para baixo (mar/água). Assim, ela está no todo e nas partes, "tu és toda/ e parte considerada”, como dizem os últimos versos. Portanto, o que pareceria antagônico, ser partes e ser todo, é na verdade um complemento.

E esse todo que ela representa é também observado em outros poemas anteriores como em “Futuro” (p. 24), onde Tânia é o tudo para o poeta, o que fica claro na última estrofe que diz “Tu foste o início/ e serás – ou és –/ a derradeira maneira/ de me fazeres feliz”; e no poema “Espera” (p. 22) que, também na última estrofe, afirma a mesma condição de Tânia como o mundo para o poeta: “Por tudo és quem/ sempre foste: chegada/ e partida”.

Nesses exemplos derradeiros, os antagonismos são realmente complementos, são círculos que se fecham para formar um todo, para representar a importância e a qualidade de Tânia como a ver o poeta.

Para encerrar o ciclo dos dualismos, uso uma palavra do poema “Predição” (p. 86) como uma representação final de todos os poemas que vimos aqui. Uma palavra obscurecida pelo restante dos versos faz uma observação sobre Tânia que pode também significar objetivamente toda a mescla de significados que os dualismos dos quais tratamos aqui representam: “Tens na predição o sentimento apropriado/ ao futuro na dualidade com que o passado/ te apresenta”. “Dualidade”, afirmação em verso que denota e confirma a condição dúbia da homenageada.

Portanto, todo esse antagonismo dá mais força aos poemas que, na verdade, falando de uma mulher, acabam por falar de muitas, sendo metáfora do gênero; assim como falando de um amor, fala de muitos, alegoria do sentimento, da admiração. Como diz Freud, citando o filólogo Karl Abel:

Se sempre houvesse luz, não seríamos capazes de distinguir a luz da escuridão, e consequentemente não seríamos capazes de ter nem o conceito de luz nem a palavra para ele […]. É claro que tudo neste planeta é relativo e tem uma existência independente apenas na medida em que se diferencia quanto a suas relações com as outras coisas […]. De vez que todo conceito é dessa maneira o gêmeo de seu contrário, como poderia ele ser de início pensado e como poderia ele ser comunicado a outras pessoas que tentavam concebê-lo, senão pela medida do seu contrário? (ABEL apud FREUD, 1910, p. 163).

Por fim, volto a lembrar de que o que me moveu aqui não foi o significado dos antagonismos presentes nos poemas, mesmo que por vezes eu tenha buscado alguma luz de explicação, mas isso foi feito apenas para tentar melhor aclarar a importância e as várias interpretações que eles têm força para suscitar.

Claro que tudo isso são exercícios de interpretação, o poema não precisa de nossas significações para existir, ele pode nos aprazer como um eterno mistério, mas isso não nos impede de nos debruçarmos sobre ele e viver por um momento em seus versos, procurando mais do que o prazer raso da primeira leitura.



_________________________
¹ Todos os negritos encontrados nas citações são meus.
² Como amante me refiro àquele que ama.




Referência bibliográfica

DU BOIS, Pedro. Tânia: poemas. Passo Fundo: Projeto Passo Fundo, 2015.

FREUD, Sigmund. (1910). A significação antitética das palavras primitivas. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. XI.

HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mário de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.


2 comentários :

  1. Muito interessante poder conhecer o livro através de suas palavras, William Lial. Tânia deve ser uma mulher especial, o livro denuncia, os poemas evidenciam e o autor se fez espetacular em tudo. Maravilhoso ensaio! (h) (h) (h)

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    Respostas
    1. Obrigado, Sonia. Sempre gentil.

      É bom ter leitoras que realmente param para ler.

      Um abraço carinhoso!

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